segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Estranho Conforto


Chorar já não fazia mais efeito. Como seria capaz de imaginar que ainda sentiria coisas piores do que sentiu até aquele instante. Seus olhos nem vermelhos estavam mais, era como se a chuva, que caía e batia delicadamente no vidro da janela, lhe tomasse todas as lágrimas. Será que nem isso poderia ser seu? O dia estava nublado, mas não estava tão frio, seus pensamentos não estavam agitados, mas mesmo assim, devagar, passeavam por sua mente sem nem se preocupar em que lugares iriam acabar parando, quais lembranças iriam acabar despertando, quais conflitos mais iriam causar. Sabia que os planos não eram esses, não era pra ser assim.
A luz que entrava pela persiana, coisa que sempre teve efeito inspirador, continuava entrando, difusa, mas sem o charme de antes, sem preencher o ambiente que passou a ser dela, quando o que julgava ser sua razão de viver se foi. O rádio estava calado e o computador ligado, mas sem nada pra fazer. A sensação de que o mundo girava devagar, independente do que a vida lhe trazia para ser vivido, era quase audível. Sem Sol, sem vento, só o som das gotas no vidro e o barulho das pessoas que eventualmente passavam falando na rua. Por que as coisas pareciam ter sentido para os outros? Ela não entendia. Não podia se lembrar do que queria lembrar, não tinha forças pra ver como era sua vida antes dele ir embora e lhe tirar o chão que estava tão firme embaixo de seus pés. Piscadas longas a faziam quase querer não abrir mais os olhos, mas não queria mais tentar ter controle, nem sobre isso, não queria ver o que seus pensamentos até então só falavam. Fixou o olhar no lugar onde sempre quis ter um porta-retratos e, depois de alguns minutos, sem perceber, adormeceu, não estava acordada a muito tempo, mas estava cansada de tentar lutar contra a angústia que lhe acertara em cheio.
Quando abriu os olhos novamente, não era mais a luz do dia que invadia seu espaço, a luz amarela do poste da rua que a incomodava, fazia isso tão bem que a fez levantar de seu sofá para fechar a persiana. Mesmo sem enxergar direito notou que tudo do lado de fora estava dramaticamente úmido e sem movimento, as luzes não iluminavam por completo a praça que parecia descansar chorosa e solitária na frente de sua janela. Tudo estava tranquilo, até os passos do homem, que caminhava devagar e olhando para o chão, do outro lado da rua, tão discretamente que despertava curiosidade suficiente para prender a atenção da única pessoa que não esperava se interessar por nada. Ela o viu caminhar e se sentar no banco que estava embaixo de uma árvore de galhos baixos, que não lhe permitiam ver claramente seu rosto, mesmo assim ficou lá, parada, observando, não reparando o quanto não era de seu costume fazer isso.
O som de um carro de polícia passando ao longe a despertou de seu transe, ela percebeu que já era noite por completo e não se lembrava se as portas de sua casa estavam trancadas, como deveriam estar. Desceu as escadas com o quadro da praça e do homem na mente, ele parecia estar pensativo, talvez esperando, não sabia. Passou pela cozinha, pegou um copo d’água e foi até a porta, colocou a mão na maçaneta e girou sem muita firmeza, como quem já sabia que estava trancada, mas desta vez não estava e a porta abriu ruidosamente assim que ela se virou de costas, se assustou e soltou o copo que se espatifou no chão, chamando a atenção de quem passava na rua. Se virou rapidamente e antes de conseguir fechar a porta por completo percebeu que só havia uma pessoa por perto e agora essa pessoa sabia que ela também estava lá. O fato de ser notada, curiosamente fez a solidão que estava sentido ir embora e quando olhou novamente para sua casa, vazia, e deu seu primeiro passo de volta para sua angústia, pisou em um caco de vidro, que não passou pela sola de seu sapato, mas estalou como um aviso, uma placa de saída, uma opção, talvez uma ideia sem muito juízo. Os pensamentos pararam por um instante e o controle voltou por um segundo, já nem se lembrava como era que isso funcionava. O coração ainda batia forte e a imagem dos olhos assustados de quem a fez despertar, mesmo que só por um segundo, eterno, ainda estavam claros em sua mente quando abriu novamente a porta antes que a adrenalina do susto passasse. Um momento de coragem, de atitude, mas sem saber que tipo de reação causaria e sem pensar se poderia encontrar problemas semelhantes ao que passara a alguns meses ou ontem, para ela não fazia diferença. Alguém para estar perto era tudo que ela queria, não importava o perigo que pudesse existir, não importava se iria parecer maluca ou se ele não iria querer ouvi-la, mesmo porque, falar não era o que ela pretendia fazer.
Do mesmo modo que ele estava quando ela fechou a porta, estava quando abriu. Como se a madeira não o impedisse de vê-la um segundo sequer, como se ele pudesse ver todo seu ambiente solitário, escuro, e se interessasse pelo motivo de parecer tão acolhedor e aconchegante por fora, mas tão gelado e vazio por dentro. Imaginando isso, se apressou em passar e fechar a porta assim que seu calcanhar permitisse, e assim fez. Sem dar tempo para seus pensamentos lhe mostrarem milhões de motivos que teria para não fazer aquilo, caminhou tentando se conter pra não acelerar demais os passos. Seria mesmo uma saída, uma possível válvula de escape? Extrema loucura! Seria o que ela diria pra alguém que lhe contasse uma história parecida. Mas esse foi outro pensamento sufocado pela necessidade de se ter alguém, que respira o mesmo ar que você, do seu lado. Quando chegou perto notou que os olhos do rapaz a fitavam, assustados ainda. Se sentou na outra ponta do banco e olhou para o chão, com as mãos entre os joelhos, insegura, tão pronta quanto alguém que fez algo errado e se arrepende, está quando vai levar uma bronca. Pronta para aceitar o que pudesse vir e pedindo pra não ser nada ofensivo, ela notou que ele também aparentava não saber o que fazer, talvez com razão, mas quando se viraram um para o outro, reparou que seu olhar não era mais de susto, também não estava totalmente seguro, o que, sem deixar perceber, a fez voltar a respirar e se lembrar que não havia planejado nada depois de ter se sentado ao lado de um completo estranho, que nem tão atraente era.
            O que fazer numa situação assim? O que viria pela frente? Isso ela não era capaz de saber ou prever, nem era capaz de evitar sentir o coração batendo dos pés a cabeça, mas sabia que alguma coisa havia mudado naquela noite. Sentir que o olhar dele, mesmo depois de muitas idas e voltas, se mostrava mais profundo e aconchegante que sua casa cuidadosamente decorada com seus sentimentos e suas lembranças, de onde acabara de sair, a fez pensar que sua noite já tinha sido melhor do que muitos dias e, por isso, já poderia até terminar, mas também a fez querer que aquele momento não acabasse nunca mais.

4 comentários:

Fernanda disse...

Tudo bem que demorei quinze minutos para conseguir ler...
Seu texto faz a gente sonhar.
Um beijo!
Escreva em pedaços da próxima vez, rs!

Fernanda disse...

Eu que fiz o comentário... mas, tá salvo o login da Fê!
É a Bibibibibibibibibibibibibibibibibibibibibibibi!

Carlos Plaza disse...

Bi! Esse foi só um pedaço!

Fernanda disse...

Cada frase um cenário, um gesto, uma expressão.
Gostei muito. Que banquinho especial... :)
Beijos da Fê.