sábado, 16 de abril de 2011

Desencontros

Ele era só um cara, um cara que poderia ser visto como um cara legal, nada tão feio, nada tão bonito, nada tão gordo, nada tão magro e nada tão falante. Com problemas e medos, para ele, normais. Mas se deixava atormentar por alguns detalhes que simplesmente o desesperavam. Sempre preso em seus pensamentos sobre nada poder ser capaz de calar aquela sensação arrepiante que ainda não conseguia deter ou se acostumar, tão pouco tirar proveito, sensação que ele frequentemente sentia quando era fitado por olhos que pareciam buscar lhe dizer algo. E havia uma pessoa especialista em lhe fazer isso. Quem diria que poderiam existir tantas aflições dentro de alguém aparentemente tão pacato. A realidade era bem diferente. Não sabia se ser ilegível era exatamente bom ou ruim, mas sempre vai existir alguém que passe com extrema facilidade por suas barreiras interiores, impostas seja la por quais motivos, isso ele descobria a cada dia vivido.

Não sabia nome, nem o que ela fazia, só reconhecia os olhos, de longe, não importava o que se sobrepunha no caminho entre os dela e os seus, era incrível como podiam fazer aquilo, nada calava o desespero causado pela falta de reação que sentia nos dias que, apesar de nem serem tantos, eram marcados mais que os outros muitos por aquele olhar. Saía de casa e se achava paralisado, gelado, era inevitável, assim que colocava os pés na calçada, todos os dias, buscava seus ativos perseguidores que lhe causavam uma aliviante tranquilidade quando não se faziam presentes, só não conseguia se sentir em paz por completo pois não conseguia os tirar de sua memória. Pensava ser impossível de encarar aquilo por muito tempo, seria impossível deixar de respirar por tanto tempo, por isso sempre se virava e se colocava de volta em seu caminho, o mais rápido que podia. Segundos eternos, primeiros passos completamente programados pois do contrário seriam impossíveis, todos que poderiam lhe dar qualquer tipo de saída ou conforto sumiam, sempre.

Tudo tão forte que já quase gostava, talvez estivesse se acostumando, se tudo seguisse assim o controle em breve viria, ela provavelmente se cansaria e se daria por vencida, tudo se colocaria no trilhos, as surpresas diárias, já esperadas, acabariam. Só não se deu conta que, enquanto fechava seu portão, pensava e lembrava de sua rotineira situação, algo estava mudado. A rotina já não acontecia da mesma forma. Foi traído, afogado por seus próprios pensamentos que não lhe deixaram percerber que nem todos estão dispostos a se darem por vencidos, por alguns instantes se esqueceu que pessoas são imprevisíveis, por mais sistemáticas que possam ser. Sem dúvida a diferença não estava no céu nublado e escuro que indicava possíveis tempestadades, nem no vento forte que balançava as flores em seu jardim cuidadosamente plantado, nem na chave que emperrava na fechadura velha que guardava seu mundo das turbulências externas. A diferença começou no exato segundo em que começou a se virar, decidido a dar fim no dia frio que acabara de começar, mas o som do vento nas folhas, que lhe atropelavam as pernas, aos poucos foi sumindo, o barulho dos carros que passavam na rua desapareceu, as pessoas que, apressadas, seguiam seus caminhos, todos opostos ao que ele estava, pareciam estar de costas, só podiam estar dizendo o quanto a estabilidade dos movimentos programados, a confiança posta em um futuro estudado para ser sem sustos estava prestes a mudar. Quando terminou de se virar viu que a personagem era a mesma, de seus pensamentos, suas manhãs, seu temido desconforto, o alvo dela ainda era o mesmo, o vento parecia se dedicar somente para seus cabelos de forma a gerar um dos efeitos mais covardes que se pode criar, os olhos eram os mesmos olhos que arrebatavam sua alma, como sempre, tão escuros que as nuvens, antes negras, brilhavam como se não carregassem nada da chuva que já caía, mas nem se atrevia a encostar uma gota se quer na pele branca dela.

Nada poderia se comparar aquele momento que o travava, desesperava, quase lhe escondia que, desta vez, seus perseguidores estavam acompanhados de passos, firmes e decididos, estava tudo bem mais próximo, somente alguns metros de rua o separavam da desconhecida que tanto o afetava. Ele definitivamente não sabia lidar com aquilo, juntou algumas forças e aproveitou um veículo que, desavisado do que acontecia ali, se colocou entre os dois, dando tempo para pensar talvez quando não deveria ter pensado. E ele respirou, se virou e fez força pra se equilibrar nos passos como fizera tantas outras vezes menos intensas, o coração, que parecia ter sido calado e imobilizado, agora batia como se tivesse que bater tudo que bateria por toda a vida, mas nos próximos quatro minutos que demoraria pra chegar até o transporte público. Agora, não sabia fazer mais nada além de andar, correr seria impossível, olhar para os lados ou para trás seria mais do que necessário pra sofrer uma queda ou trombar com alguém, ou algum poste. Do mesmo modo que se sentia segurado por um olhar fixo, fixava o seu na porta do ônibus que estava, por sua “sorte” parado e pronto para partir. Entrou e se sentou em seu novo refúgio, o primeiro era o jardim que ficou para trás, trancado, esperando sua volta. Sua respiração já estava quase se normalizando quando procurou se distrair olhando pela janela, para a chuva que caía lá fora. Qual foi sua surpresa quando encontrou os olhos, que nunca chegaram tão perto, o observando do lado de fora, e acompanhados de um lindo sorriso que ameaçou caminhar até onde ele estava sentado, sem ter saída, encurralado. Sua respiração novamente parou por um instante, mas o ônibus arrancou. Sem mexer nada além do pescoço, ele observou aquela cena que lhe causava pânico ser deixada para trás quando a vida deu a ele a saída que tanto desejava.

Ele sabia que não poderia evitar um encontro real por mais tempo, talvez por mais nenhum dia. Sabia que seu frio na barriga viria visita-lo em breve e de maneira mais intensa. Começou a pensar sobre tudo e se lembrou dos dias que não era alvo da bela garota e de como ela se colocou na vida dele sem nem sequer lhe falar uma palavra. Tentou imaginar como seria se ele parasse pra ouvir o que ela tem a dizer. Não entendia como alguém poderia gostar de se colocar em situações embaraçosas como aquela que ele, sem perceber, não via a hora de acontecer novamente. Aos poucos percebeu que sentia falta daquilo que não vivia simplesmente porque não sabia viver. Estava mais do que na hora de fazer algo sobre isso, mas o frio lhe percorria toda a espinha só de pensar.